Em 1943, Cardoso Martha publicou um Requiem em memória do Pintor Mário Augusto.⃰ Um texto belíssimo e sentido, como só os poetas e amigos escrevem. Neste dia, em que nos foi pedido que iniciássemos um conjunto de iniciativas que recordem o patrono da EB 2/3 de Alhadas, por coincidência feliz igualmente Dia da Árvore, da Floresta e da Poesia, reproduzimos algumas das palavras de quem o conheceu em vida, como poucos, admirou para além da morte, como muitos, e escreveu, como ninguém conseguiria escrever hoje.
«Tu, nascido em aldeia assoalhada,
de festões e verduras enfeitada,
serias um rapsodo da paisagem,
em que te era grato repousar
os olhos, como um homem que os repousa
na mulher entre tôdas preferida.
Ela dentro de ti se reflectia,
fôsse a réstea de sol sobre um casebre,
a volta de um atalho, um pátio alegre,
um ribeiro cantante, a lua atrás dum cêrro,
a saudável aldeã, a horta, o cavador,
um amoroso par, ruidosa romaria,
o voo duma abelha a procurara a flor
e um não sei quê secreto, e vago, e inexprimível,
que o entendias tu, e mais ninguém sabia.
Tu amavas as árvores antigas,
que dão fruto e frescura,
companheiras e amigas
vestidas de asas quando a primavera
chega, e de frutos ao entrar do outono;
tu amavas as árvores que enfeitam
os campos, as estradas, as montanhas,
umbrosas como as nuvens
e o profundo dos vales;
tu, nas sombras nocturnas, recolhias
as notas fugidías
do soturno gemer da alma das coisas,
eterno Prometeu agrilhoado
buscando libertar-se e ascender
à vida deslumbrante do além-ser.»
Lina Madeira, Centro de Documentação Pintor Mário Augusto (CDPMA)
⃰ MARTHA, Cardoso, Requiem em memória do Pintor Mário Augusto, separata do semanário Notícias da Figueira, Figueira da Foz, 1943